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sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Quem pensa em A máquina de fazer espanhóis, pensa nas passagens da vida...

Um dia desses, encontrei numa página de rede social uma indicação literária de uma amiga muito querida, que ao pensar em minha "alma lusitana" resolveu marcar meu nome e assim, surgiu meu desejo por Walter Hugo Mãe e sua A máquina de fazer espanhóis. Confesso que pensei, como um escritor português escreve sobre "fazer espanhóis"? Eis que vou ao meu passeio mensal na Livraria Cultura do Conjunto Nacional em São Paulo e encontro a obra. Apaixonei-me pelo Senhor Silva. Começamos nossa história assim, no primeiro capítulo...

somos bons homens. não digo que sejamos assim uns tolos, sem a robustez necessária, uma certa resistência para as dificuldades, nada disso, somos genuinamente bons homens e ainda conservamos uma ingênua vontade de como tal sermos vistos, honestos e trabalhadores. um povo assim, está a perceber. pousou a caneta. queria tornar inequívoca aquela ideia e precisava de se assegurar da minha atenção. não tenho muita vontade de falar, sabe, senhor, estou um pouco nervoso, respondi. não se preocupe, continuou, a conversa e mais para o distrair e, se ficar distraído sem reacção, também não lho levo a mal. e o que fez a liberdade, acrescentou. um dia estamos desconfiados de tudo, e no outro somos os mais pacíficos pais de família, tão felizes e iludidos. e podemos pensar qualquer atrocidade saindo à rua como se nada fosse, porque nada é. as ideias, meu amigo, são menores nos nossos dias. não importam. as liberdades também fazem isso, uma não importância do que se pensa, porque parece que já nem é preciso pensar. sabe, é como não termos sequer de pensar na liberdade. é um dado adquirido, como existir oxigénio e usarmos os pulmões. não nos hão de convencer que volte a censura, qualquer tipo de censura, isso seria uma desumanidade e agora somos europeus.



A Máquina de Fazer Espanhóis, do escritor português Valter Hugo Mãe, para mim, foi um  mergulho no universo de um português, que aos 80 anos, após viver 46 anos ao lado de sua amada que se despede da vida,  tenta reencontrar o sentido da vida em um lar, o Feliz Idade. No primeiro momento, fecha-se em sua casmurrice e se cala,  a fim de mostrar ao mundo a sua dor.

A vida, porém, continua, e por meio dos pequenos gestos de seu cuidador e da atenção dispensada pelos outros moradores do lar, aos poucos, nosso protagonista percebe  que todos carregam suas dores, mas que a vida não para e nos surpreende a todo instante. Proporcionando um  eterno aprendizado. Assim, começa a estabelecer laços de amizades com o Senhor Pereira, o Silva da Europa e o Esteves Sem Metafísica, do poema Tabacaria de Fernando Pessoa. 

Descobrir um autor como Valter Hugo Mãe é deparar-se com escritos singulares. O texto, todo escrito em letra minúscula, acompanha a narração do personagem principal, em primeira pessoa. Curiosamente, dois capítulos do livro, o quinto e o décimo sétimo, são grafados em caixa normal, aparecendo letras maiúsculas no início de parágrafos.
Mais do que relatar a história de um senhor português, Valter Hugo Mãe capta a identidade de um povo, seus costumes, sua história e o amor pelo seu país. Não se trata de um Senhor português, mas de muitos e tantos outros portugueses, que em comum compartilham uma alma lírica, às vezes alegre, na maioria das vezes melancólica. Não é um povo constituído meramente por pessoas nascidas em um mesmo país, mas por pessoas como que sagradas em versos formando uma grande poesia.
Máquina de fazer espanhóis
Autor:  Valter hugo mãe
Editora:  Biblioteca Azul
Páginas:  256 páginas
Preço: R$ 44,90
http://www.livrariacultura.com.br/p/a-maquina-de-fazer-espanhois-46335799

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