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domingo, 31 de janeiro de 2010

O guerreiro da luz e seu mundo

O guerreiro da luz e seu mundo
O guerreiro da luz sempre procura melhorar.
Cada golpe de sua espada traz consigo séculos de sabedoria e meditação. Cada golpe precisa ter a força, a habilidade de todos os guerreiros do passado, que ainda hoje continuam abençoando a luta. Cada movimento no combate honra os movimentos que as gerações anteriores procuraram transmitir através da Tradição.
O guerreiro desenvolve a beleza de seus golpes. Embora se comporte como uma criança.
As pessoas ficam chocadas, porque esqueceram que uma criança precisa divertir-se, brincar, ser um pouco irreverente, fazer perguntas inconvenientes e imaturas, dizer tolices.
E perguntam, horrorizadas: "É isso o caminho espiritual? Ele não tem maturidade!”
O guerreiro se orgulha com este comentário. E mantêm-se em contacto com Deus, através de sua inocência e alegria. Age assim, porque no começo de sua luta, afirmou para si mesmo:
“Eu tenho sonhos”.
Depois de alguns anos, percebe que é possível chegar onde quer. Ele sabe que vai ser recompensado.
Neste momento, a grande alegria que animava seu coração, desaparece. Porque enquanto caminhava, conheceu a infelicidade alheia, a solidão, as frustrações que acompanham grande parte da humanidade. O guerreiro da luz então acha que não merece o que está para receber.
Quando aprende a manejar sua espada, descobre que seu equipamento precisa ser completo - e isto inclui uma armadura.
Ele sai em busca da sua armadura, e escuta a proposta de vários vendedores.
"Use a couraça da solidão", diz um.
"Use o escudo do cinismo", responde outro.
"A melhor armadura é não se envolver em nada", afirma um terceiro.
O guerreiro, porém, não dá ouvidos. Com serenidade, vai até seu lugar sagrado e veste o manto indestrutível da fé.
A fé apara todos os golpes. A fé transforma o veneno em água cristalina.
O seu anjo sussurra: “entrega tudo". O guerreiro ajoelha-se, e oferece a Deus as suas conquistas.
A Entrega obriga o guerreiro a parar de fazer perguntas tolas, e o ajuda a vencer a culpa.
E se, ainda assim, achar que sua recompensa é imerecida, um guerreiro da luz sempre tem uma segunda chance na vida.
Como todos os outros homens e mulheres, ele não nasceu sabendo manejar sua espada. Errou muitas vezes antes de descobrir sua Lenda Pessoal.
Nenhum homem ou mulher pode sentar-se em torno da fogueira, e dizer aos outros: "sempre agi certo." Quem afirma isto está mentindo, e ainda não aprendeu a conhecer a si mesmo. O verdadeiro guerreiro da luz já cometeu injustiças no passado.
Mas, no decorrer da jornada, percebe que as pessoas com quem agiu errado sempre tornam a cruzar com ele.
Por isso, o guerreiro da luz tem a impressão de viver duas vidas ao mesmo tempo.Em uma delas, é obrigado a fazer tudo que não quer, lutar por idéias nas quais não acredita. Mas existe uma outra vida, e ele a descobre em seus sonhos, leituras, encontros com gente que pensa como ele.
O guerreiro vai permitindo que suas duas vidas se aproximem.
"Há uma ponte que liga o que eu faço com o que eu gostaria de fazer", pensa. Aos poucos, os seus sonhos vão tomando conta da sua rotina, até que ele percebe que está pronto para o que sempre quis.
Então, basta um pouco de ousadia - e as duas vidas se transformam numa só.
É sua chance de corrigir o mal que causou. Ele a utiliza sempre, sem hesitar.


extraído de paulocoelho.com.br

domingo, 24 de janeiro de 2010

O interior do exterior do interior

Qual será a imagem que passamos aos outros sobre nós mesmos? Será que somos aquilo que os outros observam em nós? Será que somos “vários” em nós?

Salvador Dali - Galatea de Las Esferas - 1952

Nossa intimidade interior e exterior afastam-se de tal forma em nós que torna-se quase impossível considerá-las intimidade de um único “eu”. Esse distanciamento em relação aos outros torna-se maior quando compreendemos que a nossa imagem exterior não aparece aos olhos dos outros como aos nossos próprios olhos. Não é possível observar e sentir as pessoas como observamos objetos ou estrelas. Observamo-las com expectativas de as encontrarmos de determinada maneira, transformando-as assim em um pedaço da própria interioridade. A força de nossa imaginação forma-as e transforma-as de maneira que estejam de acordo com os próprios desejos e esperanças, mas também de modo em que nelas se confirmem nossos próprios desejos, esperanças e temores. Com sinceridade, não conseguimos alcançar claramente os contornos exteriores do outro de maneira segura e imparcial. Será que conseguimos alcançar os nossos próprios contornos? Todos os desejos e fantasias que fazem de nós a pessoa insubstituível e única que somos. Segundo Mercier, O exterior de um interior ainda continua sendo um pedaço do nosso mundo interior, sem falar dos pensamentos que produzimos sobre o mundo interior estranho e que são tão inseguros e imprecisos que acabam por revelar mais sobre nós próprios do que sobre o outro...

sábado, 23 de janeiro de 2010

Vamos pegar um Trem Noturno para Lisboa?



Trem Noturno para Lisboa – Pascal Mercier
Entrei na Livraria e vi o livro. Como sempre penso em tomar um vôo noturno para Lisboa, achei que o livro poderia ser um bom começo. Peguei-o e folheando encontrei uma citação de Fernando Pessoa. Ótimo começo, afinal tenho também muitos "eus" em meu "eu". Na capa, sobre fundo negro, Isabel Allende diz que foi um dos melhores livros que leu nos últimos tempos. Na contracapa a sinopse. Não precisava de mais recomendações. Pascal Mercier é o autor. Usa pseudônimo, não sei para que. É suíço, de Berna. Vive em Berlim onde é professor de Filosofia.
Trem noturno para Lisboa fez tanto sucesso na Europa que passou a ser uma expressão utilizada para referir-se a alguém que pretende mudar de vida. É essa a idéia central do livro: uma transformação na vida do protagonista. Mas Raimund Gregorius não tinha o desejo ou pensava em mudar de vida. Ele apenas mudou, de uma hora para outra. E foi assim tão de repente que nem mesmo ele acreditava no que tinha feito. Tudo começou em uma manhã na qual ele estava indo para o trabalho. Sua vida era extremamente rotineira. Naquela manhã, chovia. Ele viu a mulher na ponte que ia atravessar. A atitude dela levou-o a pensar que iria saltar. O vento carregou seu guarda-chuva e derrubou sua pasta espalhando seus cadernos pelo asfalto molhado. A mulher viu e se aproximou. E escreveu uma sequência de números na testa dele. E nesse momento, ele decidiu tudo, embora não soubesse o que exatamente estava decidindo. Ele pergunta a ela sobre sua língua materna o Português, ele, professor de línguas antigas, inebriou-se com a sonoridade: purtugueish. Uma melodia pura. Em uma livraria espanhola, encontrou um livro em português – Amadeu Inácio de Almeida Prado – Um ourives da Palavra.
Raimund viaja para Lisboa para conhecer a vida que Amadeu Prado, e quem sabe conhecer a sua própria vida. É uma longa viagem para dentro de si mesmo através da leitura de um livro em que o autor buscava também a si mesmo...
Cada capítulo exige uma parada para reflexão. Encontros conosco. Suas páginas levantam questões filosóficas acerca da vida e da morte, da solidão do homem entre os homens, da busca pela essência da alma. É certamente inesquecível. Fernando Pessoa disse certa vez que em nós há gente de muitas espécies, pensando e sentindo diferentemente. E é assim que continuará a ser enquanto não conseguirmos encontrar nossa verdadeira individualidade, a busca continua através não só de uma única vida, mas pela eternidade.