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quarta-feira, 25 de julho de 2012

A POESIA EM FORMA DE ROMANCE


"O deus das pequenas coisas" Arundhati Roy 


A poesia em forma de romance numa das mais belas obras literárias do século XX
"O deus das Pequenas Coisas" é um romance passado na Índia, estado de Kerala, nos anos 60/70 do século XX, onde vamos encontrar uma população que incorporou os hábitos dos colonizadores europeus (a música, a religião, a forma de vestir, o cinema...).
Ao mesmo tempo, conserva ainda a maior parte das suas tradições, hábitos e, inclusive, alguns dos seus tabus ancestrais, tais como: a marginalização dos intocáveis (aqueles que no sistema de castas - estratos sociais - hindu desempenham as tarefas mais abjectas) tendo, por isso, de manter-se à margem dos "tocáveis" para não "contaminá-los".
O marxismo e o cristianismo são as novidades vindas da Europa que ameaçam derrubar esta grande barreira social. Pelo menos teoricamente.
O livro desta autora indiana, em muitos aspectos autobiográfico é, antes de mais, uma história de amor tão pungente como a de "Romeu e Julieta" ou "Abelardo e Heloísa". E das diferentes formas de manifestar o amor numa sociedade onde as barreiras são tantas que as coisas mais importantes ficam sempre por dizer. Onde só as pequenas coisas são mencionadas, num ambiente social onde há que obedecer a normas rigorosas acerca de quem deve ser amado. E quanto. E como.
"O deus das pequenas coisas" é uma paleta de amores proibidos: dois gêmeos que se amam com uma intensidade que ultrapassa os laços de sangue, a avó cuja história de amor tem as cicatrizes da violência, a tia-avó que esconde a paixão pelo Reverendo Mullingham sob uma capa de austeridade e repressão, o tio que não ultrapassa o desamor pela sua musa britânica...
E no centro desta teia de amores amaldiçoados está a mãe dos gêmeos e seu amor por Velutha, o líder sindicalista intocável - uma dupla ameaça para esta família, dona da fábrica Pickles Paraíso.
A duplamente estigmatizada Ammu, mãe dos gêmeos - quer pelo divórcio quer pela entrega a uma paixão, que ameaça pôr em causa a imagem da família perante a sociedade -, aliada a um acidente que vitima a prima idolatrada quando esta se encontra na companhia dos dois irmãos, trará fortes convulsões que vão abalar a infância destas duas crianças.
As repetições e as frases de uma só palavra aumentam consideravelmente a intensidade do texto. Os adjectivos utilizados são enriquecidos porque incorporados em ousadíssimas sinestesias, metáforas e personificações - "O bambu amarelo chorou" ou " Os cotovelos da noite, repousando na água observavam" -, ao mesmo tempo que somos bombardeados com presságios que nos fazem adivinhar o que se vai passar a seguir. Em vários momentos do texto, o sentimento crescente de angústia, no leitor, torna-se quase que insuportável.
As Pequenas Coisas são descritas até ao mais ínfimo pormenor, como que para prolongar ao máximo a durabilidade daqueles momentos preciosos, porque proibidos, obrigando as personagens a agarrarem-se às pequenas coisas, porque tudo pode mudar um dia.
As Grandes coisas têm de ficar latentes para aqueles que sabem nada possuir. Para aqueles que não têm futuro.
Porque são as pequenas coisas que os ligam ao Amor, à Loucura, à Esperança, à Infinita Alegria.
Um livro recomendado para as pessoas que sabem que amar sem limites tem um preço que as pessoas vulgares não estão dispostas a assumir.

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